Reconhecimento da derrota de Maduro pelos EUA eleva pressão contra “neutralidade” de Lula

  • Voltar
  • Reconhecimento da derrota de Maduro pelos EUA eleva pressão contra “neutralidade” de Lula

Reconhecimento da derrota de Maduro pelos EUA eleva pressão contra “neutralidade” de Lula

Getting your Trinity Audio player ready...

Decisão dos EUA aumenta pressão sobre governo Lula na crise da Venezuela| Foto: EFE/André Borges

Por Sílvio Ribas e Carinne Souza | Gazeta do Povo

A decisão dos Estados Unidos de reconhecer oficialmente, na noite desta quinta-feira (1º), que o candidato de oposição na Venezuela, Edmundo González, venceu as eleições presidenciais do último domingo (28), pressiona o Brasil, que prefere ainda aguardar os relatórios das urnas para se posicionar.

Segundo fontes ligadas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a avaliação interna é de que a nota dos Estados Unidos “tem claro impacto” na situação venezuelana, mas que isso não deve mudar a posição brasileira, expressa em uma declaração conjunta com México e Colômbia nesta quinta-feira (1º).

Nos bastidores do Palácio do Planalto existe o receio de que o reconhecimento da vitória de González pelos americanos não contribua para o diálogo entre o regime de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, nem para a divulgação das atas de votação pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), cobradas pela diplomacia brasileira.

A nova postura do governo americano, manifestada nas redes sociais pelo secretário de Estado, Antony Blinken, contrasta com a nota conjunta dos presidentes de Brasil, México e Colômbia, divulgada horas antes, dando uma nova chance para o ditador Nicolás Maduro comprovar a sua declarada vitória.

Em sua conta na rede social X, Blinken afirmou que “os dados eleitorais demonstram de forma esmagadora a vontade do povo venezuelano: o candidato da oposição democrática obteve o maior número de votos”. A declaração assinada por Lula, por sua vez, afirma que as “controvérsias sobre o processo eleitoral devem ser dirimidas pela via institucional” e que deve haver “verificação imparcial dos resultados”.

Maduro tratou de rebater a mensagem da Casa Branca, dizendo que o governo americano pretende substituir a autoridade eleitoral de seu país. “Os EUA devem tirar o nariz da Venezuela, porque o povo soberano é quem governa na Venezuela, quem nomeia, quem escolhe”, disse.

A autoridade eleitoral da Venezuela declarou Maduro como vencedor da eleição na madrugada de segunda-feira (29), mas o resultado foi questionado pela oposição, observadores independentes e por muitos chefes de Estado.

Amorim diz que oposição da Venezuela não provou vitória

Na manhã da quinta-feira (1º), Celso Amorim, assessor especial de Lula e um dos interlocutores do Brasil com o regime chavista, apenas revelou “estranheza” pela demora do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela em publicar as atas com resultado das eleições, cobradas pelo Brasil e outros países desde o início da semana.

“Estamos decepcionados com a demora do CNE em publicar os dados”, comentou em entrevista à Rede TV. Ele ainda ressaltou que a oposição venezuelana também não provou vitória. O comentário foi feito antes de os Estados Unidos anunciarem o reconhecimento da vitória da oposição.

Amorim ainda minimizou o parecer da Center Carter após acompanhar o processo eleitoral na Venezuela, divulgado na terça-feira (30) e no qual atesta que o pleito “não foi democrático” e “não atendeu aos padrões internacionais de integridade”. Para ele, embora o órgão independente não seja manipulado, conforme mostra sua longa trajetória em diversos casos, o número de observadores enviados, 17, foi insuficiente.

Por fim, o diplomata defendeu a posição de Lula em pedir cautela, esperando a apresentação das atas para reconhecer a vitória de Maduro. “O ônus da prova está em quem é objeto de suspeição”, argumentou.

Lula arrisca e pode compartilhar culpa se violência escalar na Venezuela

O cientista político e diretor do instituto I3P, Leonardo Barreto, avalia que o posicionamento de cautela ou omissão de Lula, a depender de como é avaliado, pode interferir decisivamente na imagem de como o presidente brasileiro atua no contexto de impasses internacionais, sobretudo na América Latina.

“Tudo depende de como a crise venezuelana vai acabar. Se o regime se fechar ainda mais, Lula será visto tendo uma parte de responsabilidade sobre isso. Contudo, se ele conseguir conduzir ou colaborar com uma transição pacífica, é provável que ainda consiga recuperar o seu papel de mediador regional”, observou.

Para o cientista politico Murillo Aragão, da consultoria Arko Advice, Lula está “entre a cruz e caldeirinha”, desconfortável com a situação colocada tanto por Maduro quanto Biden.

“Obviamente Lula não gosta dessa situação, tampouco é tão próximo de Maduro como foi de Chávez. Ao não reconhecer expressamente a vitória dá margem a um recuo”, disse. Na sua avaliação, o papel de Amorim é tentar ao máximo estabelecer uma saída para Maduro.

Atuando em paralelo às investidas de Amorim, que se reuniu esta semana com Maduro como enviado de Lula, o Ministério das Relações Exteriores tem buscado manter a abertura dos canais de negociação com o regime chavista, de modo a colaborar com o esforço multilateral e evitar o agravamento nas tensões dentro e fora da Venezuela.

Alguns méritos da medição da diplomacia brasileira foram apontados, inclusive pela oposição venezuelana, apesar dos acenos que Lula e o PT já deram em favor de Maduro. A colaboração para com as representações diplomáticas de Argentina e Peru, expulsas do país vizinho, por exemplo, mereceu agradecimentos do presidente argentino Javier Milei e da líder da oposição Maria Corina Machado, preocupada com a integridade de refugiados em embaixadas.

María Corina também elogiou a posição do Brasil, de cobrar do CNE a divulgação das atas eleitorais, e disse que a oposição venezuelana está disposta a participar de uma “negociação séria e urgente” para que seja acordada uma transição política pacífica, que respeite a vontade dos eleitores venezuelanos. Ela e González, o candidato da oposição, estão escondidos para não serem presos por ordem de Nicolás Maduro.

A conversa de Lula e Biden na quarta-feira (31) também foi considerada um sinal de deferência dos Estados Unidos em relação ao papel do Brasil na crise venezuelana, embora os dois países agora adotem entendimentos divergentes. O ditador Nicolás Maduro também solicitou conversa com Lula, que ainda não foi agendada.

A aparente imparcialidade corre, contudo, o risco de ser confrontada com a perspectiva, apontada pelo próprio Maduro, de aumento da repressão, com prisões e violência contra opositores e manifestantes contrários ao pleito nas ruas.

Articulação de Lula com México e Colômbia sobre Venezuela é criticada

A nota conjunta de Brasil, México e Colômbia acerca da eleição venezuelana está sendo vista por muitos como tardia. Os três países pediram, quatro dias após o pleito, a divulgação “expedita” das atas eleitorais. Eles também cobram a solução do impasse eleitoral no país pelas “vias institucionais” e que a soberania popular seja respeitada com “apuração imparcial”.

A análise desse discurso pode apontar tanto para uma expectativa para que a oposição volte a ser ouvida como também coloca nas mãos da própria ditadura um improvável movimento de transparência e correção.

Outro ponto questionado na declaração foi o trecho em que pede aos atores políticos e sociais “a exercerem a máxima cautela e contenção em suas manifestações e eventos públicos, a fim de evitar uma escalada de episódios violentos”. A mensagem pode ser interpretada como um pedido para que a população insatisfeita com o resultado declarado pelo CNE pare de protestar.

A oposição a Lula no Congresso cobra mudança de tom e aponta a posição americana como mais acertada e contrastante com a brasileira, que soa conivente com a ditadura venezuelana.

Para o Palácio do Planalto, o Brasil, apesar de ter se colocado em posição muito dependente das reações seguintes de Maduro, que ainda indicam resistência e recrudescimento da repressão aos opositores, conseguiu manter canais abertos para o diálogo multilateral.

Falas de Lula e petistas da velha guarda empurram governo para o lado de Maduro

Lula sofre desgastes na opinião pública por não romper com o presidente venezuelano e, também, por suas declarações contraditórias sobre a situação do país vizinho. Na sua primeira manifestação sobre o caso, afirmou que não havia “nada de anormal” no impasse e ele deveria ser resolvido pela justiça venezuelana, ignorando todos os episódios de falta de transparência, de violência e de subordinação dos três poderes do país vizinho a Maduro.

Para complicar, a posição oficial do PT e de alguns de seus principais líderes históricos, como José Dirceu, que reconheceram de pronto a contestada vitória de Maduro, dividiu a base do governo e reforçou as pressões sobre Lula.

O presidente entrou em série contradição com seu discurso de defesa da democracia, sobretudo após suas críticas aos protestos de 8 de Janeiro, tachados de golpistas. Além disso, a histórica relação do petismo com o chavismo, com Maduro no poder, ficou evidenciada no episódio e provoca desgastes ao partido de Lula e a ele próprio.

  • Compartilhar

Redação Fala Aí Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comentários recentes