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Seis afirmações contestáveis da nota de Barroso à revista The Economist sobre a atuação do STF
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Seis afirmações contestáveis da nota de Barroso à revista The Economist sobre a atuação do STF
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Nota assinada por Barroso defende Moraes e rebate publicação da The Economist. (Foto: Gustavo Moreno/STF)
Por Leonardo Desideri/Gazeta do Povo
A nota oficial assinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, em resposta à reportagem da revista The Economist, contém diversas afirmações contestáveis com base em documentos públicos, declarações oficiais e registros da imprensa.
O texto da revista britânica criticou a concentração de poder no STF, com foco na atuação do ministro Alexandre de Moraes, e foi rebatido por Barroso em nota publicada no site da Corte no sábado (19).
Confira os principais argumentos:
X não tinha representante legal porque sofreu ameaça
Um dos pontos centrais da resposta diz respeito à suspensão da rede X no Brasil. Segundo Barroso, a plataforma foi bloqueada porque “havia retirado os seus representantes legais do país”.
No entanto, documentos revelados pelo próprio X mostram que os representantes deixaram o país após sofrerem ameaças de prisão, diante de ordens judiciais ilegais. A suspensão da rede ocorreu após o início da crise com o STF, e não antes dela, como mostra a sequência de tuítes abaixo:
Motivos das decisões de censura não são públicos nem para advogados
Outro ponto da nota afirma que “todas as decisões de remoção de conteúdo foram devidamente motivadas” e se referiam a crimes ou tentativa de golpe. Apesar disso, o inquérito das fake news — base dessas decisões — segue sob sigilo desde 2019.
Em diversas ocasiões, usuários tiveram contas suspensas sem intimação prévia nem acesso à fundamentação legal da medida, como relatado por vários parlamentares, influenciadores e jornalistas atingidos. Em abril de 2024, Elon Musk acusou Alexandre de Moraes de censura e publicou ordens judiciais que impunham bloqueios imediatos sem direito de defesa.
“Nós derrotamos o bolsonarismo” é frase de Barroso amplamente divulgada
Barroso também declarou que “o presidente do Tribunal nunca disse que a corte ‘derrotou Bolsonaro’” e que foram os eleitores os responsáveis por sua derrota.
No entanto, em vídeo gravado em 2023 durante palestra em Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), Barroso declarou: “Nós derrotamos o bolsonarismo.” A frase foi registrada em áudio e vídeo, amplamente divulgada pela imprensa e gerou forte repercussão na época.
Pesquisas não atestam confiança do brasileiro no STF, ao contrário do que diz Barroso
A nota ainda cita uma pesquisa Datafolha, alegando que a “maioria confia no Tribunal”, ao somar 24% que “confiam muito” com 35% que “confiam um pouco”. É falacioso tratar a resposta “confio um pouco” como sinônimo de que a pessoa “confia” no STF.
Em uma pesquisa Datafolha divulgada em março de 2024, outra questão foi feita: os entrevistados podiam aprovar, reprovar, ou “considerar regular” o trabalho do STF. Aprovaram o trabalho do STF 29% dos entrevistados; reprovaram o trabalho 28%; e o consideraram regular 40%.
A pesquisa foi realizada entre 19 e 20 de março de 2024, com 2.002 entrevistas presenciais em 147 cidade. A margem de erro da pesquisa era de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, e o nível de confiança era de 95%.
Recentemente, uma pesquisa da Futura Inteligência mostrou que quase 53% (52,6%) dos brasileiros veem o STF de forma negativa. Ao comentar o resultado, Barroso disse que “a importância de um tribunal e de um juiz não pode ser aferida em pesquisas de opinião pública”.
A pesquisa ouviu 1.000 pessoas entre 19 e 22 de março de 2025 por meio de entrevistas eletrônicas. A margem de erro é de 3,1 pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%.
Enfoque da Economist é amplamente respaldado no Brasil
Barroso afirma que “o enfoque dado na matéria corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado”. Críticas semelhantes às feitas pela Economist aparecem em diversos jornais brasileiros e estrangeiros, até mesmo com tendência de centro ou esquerdista.
Diversos juristas que condenaram de forma veemente o atentado do 8 de janeiro criticam os abusos recentes do Supremo e de Moraes de forma incisiva.
Devido processo legal não está sendo respeitado, diferente do que afirma Barroso
Barroso afirmou que os responsáveis por atentados relacionados ao 8 de janeiro “estão sendo processados criminalmente, com o devido processo legal”. A falta de acesso integral aos autos do processo é uma agressão flagrante ao devido processo legal.
No começo de abril, o próprio presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, disse sobre esses casos que “a impossibilidade de acesso integral às trocas de mensagens e aos arquivos documentados compromete a atuação da defesa, restringindo sua capacidade de identificar informações relevantes e elaborar questionamentos estratégicos a acusados e testemunhas”.
Nota de Barroso na íntegra
Acerca da matéria “Brazil’s Supreme Court is on trial” [da revista The Economist], venho esclarecer alguns pontos. A reportagem narra algumas das ameaças sofridas pela democracia no Brasil, embora não todas. Entre elas se incluem a invasão da sede dos três Poderes da República por uma multidão insuflada por extremistas; acampamentos de milhares de pessoas em portas de quartéis pedindo a deposição do presidente eleito; tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília; e tentativa de explosão de uma bomba no Supremo Tribunal Federal. E, claro, uma alegada tentativa de golpe, com plano de assassinato do presidente, do vice-presidente e de um ministro do tribunal. Os responsáveis estão sendo processados criminalmente, com o devido processo legal, como reconhece a matéria. Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do leste Europeu à América Latina.
A pesquisa DataFolha mais recente revela que, somados os que confiam muito (24%) e os que confiam um pouco (35%) no STF, a maioria confia no Tribunal. Não existe uma crise de confiança. As chamadas decisões individuais ou “monocráticas” foram posteriormente ratificadas pelos demais juízes. O X (ex-Twitter) foi suspenso do Brasil por haver retirado os seus representantes legais do país, e não em razão de qualquer conteúdo publicado. E assim que voltou a ter representante, foi restabelecido. Todas as decisões de remoção de conteúdo foram devidamente motivadas e envolviam crime, instigação à prática de crime ou preparação de golpe de Estado. O presidente do Tribunal nunca disse que a corte “defeated Bolsonaro”. Foram os eleitores.
Um outro ponto: a regra de procedimento penal em vigor no Tribunal é a de que ações penais contra altas autoridades seja julgada por uma das duas turmas do tribunal, e não pelo plenário. Mudar isso é que seria excepcional. Quase todos os ministros do tribunal já foram ofendidos pelo ex-presidente. Se a suposta animosidade em relação a ele pudesse ser um critério de suspeição, bastaria o réu atacar o tribunal para não poder ser julgado. O ministro Alexandre de Moraes cumpre com empenho e coragem o seu papel, com o apoio do tribunal, e não individualmente.
O enfoque dado na matéria corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena, com Estado de direito, freios e contrapesos e respeito aos direitos fundamentais.
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